Autobiografia



Minha infância foi relativamente tranquila. Passei parte dessa infância, até onde me lembro, feliz, no bairro de Jardim Metrópoles em São João de Meriti, Baixada Fluminense.

Cercado de primos, tinha dois em especial que, por terem minha idade, eu me entendia melhor. Findo este tempo, hoje me são completos estranhos, a pesar de ainda ter a lembrança e a consideração do que representaram para mim.

Tenho lembranças, hoje vagas, também de uma tia que cuidava de mim cujo nome era Neide e que não deixava que minha mãe sequer trocasse minhas fraldas. A "vaga lembrança mais forte" que tenho é da missa de sétimo dia de sua morte, quando minha mãe, ao me levar para a igreja, disse do que se tratava e eu me recusei a adentrar para participar porque "Papai do Céu havia levado minha tia e não a trouxe de volta".

Dentre os vizinhos, saudoso, me recordo da "tia dos lobisomens", mulher que, segundo a própria, guardava lobisomens na bolsa para disciplinar crianças malcriadas... (por favor, não ria...) e que eu tremia toda vez que minha mãe me deixava com ela para ter de se ausentar. Também dos dois jovens vizinhos, Guilherme e Cheila, irmãos, que brincavam e brigavam comigo volta e meia.

Hoje vejo que foi chato sair de lá para morar onde morei em seguida. No bairro de Jardim América, minha infância e adolescência tiveram seus altos e baixos que me deixaram com alguns conflitos que carrego, talvez, para toda a vida. Entre acontecimentos, lembro claramente ter sofrido abuso na escola e que, pouco tempo depois, chegou ao conhecimento de minha mãe que veio a conversar com a direção da escola e disciplinar, acho, o aluno envolvido. Também, em épocas em que minha mãe tinha que sair, eu ficava na casa de um vizinho, jovem, que também chegou a tirar proveito da inocência que eu tinha na época e que já não tenho mais.

É fato que essa questão ficou marcada e eu oscilei em sentimentos até descobrir realmente minha sexualidade e preferências congenerentes.

De pessoas interessantes, lembro bem de uma vizinha, amiga de minha mãe, que passava as noites lá em casa enquanto não dava hora de meu pai chegar de seu trabalho de motorista. Ficavam horas, ela e minha mãe, a conversar, fazer trabalhos artesanais e, hora ou outra, guloseimas que me faziam dormir feliz.

Os filhos dela eram crianças super agitadas. Inúmeras vezes briguei com o mais velho por conta do temperamento chato que ele tinha. Isso era frequente. O mais novo, hoje, em contrapartida a personalidade que tinha quando molecote, trabalha e parece um rapaz pacato e de bem.

Já o mais velho, tive notícias, veio a ser morto por não ter se redimido de seu comportamento e ter se misturado com pessoas de ma índole que o tiraram do seio da mãe maravilhosa e sofrida que era essa amiga de minha amada.

Longe desse bairro e de varias intempéries que ele trouxe à minha personalidade, comecei a ganhar o coração maldoso que tenho hoje.

No colégio, de nome Mário Kroeff, nas primeiras semanas de aula, em uma redação sobre a professora, inocentemente e sem saber o que escrever, comentei que ela deveria falar mais sobre suas "coisas intimas". Ela mesma cuidou de incitar a chacota contra mim. Era um período que eu ainda me relacionava bem com meus irmãos, mas já se poderia ver as nossas opiniões divergirem influenciadas por colegas que eles tinham.

Minha mãe nos segurava muito dentro de casa e foi um custo para aprender coisas importantíssimas na vida, tal como um bom relacionamento com os colegas. Por conta dessa postura maternalista e de hiperproteção, até hoje eu não sei coisas simples da vida como andar de bicicleta ou soltar pipa, coisa que todos os meninos fazem em suas infâncias, mas a mim isso foi privado.

Ainda com a cabeça confusa em relação a sentimentos, minha primeira sensação de paixão aconteceu nesse período de ginásio (a minha e de toda a torcida do flamengo...). Uma colega de nome que talvez não convenha falar, mas que tinha uma mãe que me seria uma ótima sogra. Além de agradável, a senhora mãe dela me tratava muito bem. Apenas ela mesma não queria nada comigo que passasse de amizade. Talvez até porque nossa relação de coleguinhas de escola era muito cheia de altos e baixos. Ainda mais que ela tinha uma cabeça, pelo que me recordo, muito mais madura que a minha. De qualquer forma, eu já não tinha tanto interesse por garotas, embora flertasse sempre e sem sucesso com uma coleguinha ou outra.

Por infelicidade, não consegui guardar nenhum amigo após o termino do fundamental. Cada vez mais revoltado, me matriculei, com o auxilio de uma vizinha, em um colégio em Higienópolis, no período da noite, para tentar conquistar certa liberdade com um emprego. Os colegas de sala eram muito mais chatos que os "donos da sala" no colégio anterior. Em particular um rapaz afetado de nome Eduardo que se sentia a própria Madonna e que contribuiu muito bem para me mostrar o que eu NÃO queria para a minha vida.

Trabalhando em um supermercado como auxiliar de caixa, novas frustrações e chateações em relação a colegas de ambiente foram me deixando mais "descolado" no que diz respeito a saber lhe dar com as pessoas. Achei graça aos olhos dos meus superiores e, com isso, acabei galgando oportunidades um pouco melhores e um remanejamento, onde passei a trabalhar na administração do mercado em São João de Meriti, terra onde passei minha infância. Também já tinha direção para meus desejos, pois me lembro bem que nessa época, fato marcante em minha consciência, eu trabalhava minha cabeça em minha própria aceitação e em como minhas “opções” afetariam em meu relacionamento com minha família, fato que também alavancou a decisão por um emprego na adolescência.

Não dei conta da distancia entre casa, trabalho e escola e acabei pedindo transferência para um colégio particular no bairro da Penha, próximo de casa, para tentar administrar melhor o tempo que tinha durante o dia. Nesse período, Deus colocou no meu caminho duas pessoas muito importantes para a formação do meu caráter. Atribuo, na verdade, a Deus mesmo a mudança para melhor em meu modo de pensar, mas se a ele dou esse crédito (não admito creditar essa boa obra na minha vida a outro), a estes dois nomeio como instrumentos divinos. Meu novo chefe e amigo estava constantemente interessado na minha pessoa e nele achei alguém que acreditava em meu potencial profissional e social. No novo colégio, a mocinha de cabelos compridos e encaracolados foi o motivo que tive para conhecer mais profundamente à Deus e para negligenciar totalmente meus estudos, a ponto de pagar a escola para não comparecer as aulas e repetir de ano, abandonando meu crescimento profissional no que diz respeito a esse campo do conhecimento. Essa moça, em especial, mexeu comigo de maneira que eu jamais poderia imaginar. Mesmo convicto de que era gay, sofri com um movimento de ternura e paixão em meu interior. Investi feito um bobo gastando dinheiro com mimos caros e perdendo tempo pensando em como poderia me declarar. Até que um dia eu tomei “coragem” e escrevi um bilhete e coloquei em um envelope com um bombom. No dia seguinte tive o prazer de ouvir que eu não servia para namorado porque não era crente...

Foi um baque, mas certamente a rejeição dela para comigo foi a melhor coisa para os dois. Ainda não a admito ter julgado meu caráter pelo fato de, na época, eu não ser crente, mas é certo que seria um casamento de futuro infeliz. Quem sabe infiel...

Eu trabalhava com verdadeiras crianças. Eu mesmo era uma criança, tendo em vista o que sou hoje, com uma cabeça muito menor que a que tenho, se é que existe essa possibilidade intelectual...

Um rapaz em especial, de nome Rodolfo, era meu incomodo calo. Dos desafetos e desentendimentos com os outros colegas, a pesar de lembranças, não guardo nenhuma mágoa, mas este jovem me causa agonia só de lembrar o nome.

Trabalhando como contínuo, em algum tempo conquistei mais algum espaço e logo recebi um convite para trabalhar na área administração de pessoal que me trouxe algum conhecimento para o mercado de trabalho e para a vida. Me foi feita uma proposta de trabalhar lá efetivamente e, por conta de receios e falta de conhecimento, achando que eu alcançaria um maior beneficio no campo profissional tendo uma anotação em minha carteira de trabalho com auxiliar de departamento pessoal ao invés de auxiliar de serviços gerais, acabei aceitando o novo cargo que, de certa forma, encarei como justiça perante algumas tristezas provocadas por colegas sem caráter.

Também nesse período no supermercado, na igreja onde eu congregava e já sem a presença da mocinha de cabelos encaracolados no meu dia-a-dia, conheci dois amigos muito especiais que, por um bom tempo, fizeram parte de minha vida. Minha motivação em congregar onde congreguei era grande. Saia do trabalho, em São João, indo direto para a Igreja e voltando andando para casa, percorrendo uma distancia de aproximadamente 5,7 quilômetros todos os dias. Dias de finais de semanas, sábados e domingos, eu fazia esse percurso, algumas épocas, duas vezes no sábado e duas vezes no domingo, ida e volta, matutando sobre diversas coisas. Não havia cansaço, não havia desânimo, não havia reclamações quanto a isso. Era bom.

Uma mulatinha maravilhosa com uma personalidade mimada e meiga era uma criatura a parte dentro desse contexto.

Posso dizer que era a pessoa da qual eu mais admirava em termos de postura, carisma, coerência na vida...

Meu olhar para com ela e o dela para comigo, creio eu, era de uma fraternidade ímpar. Por tempos ouvíamos um ao outro as nossas reclamações e histórias da vida, nossos calos de vivência, frustrações e alegrias. Embora, muitas vezes, eu pestanejasse ao telefone quando nos falávamos devido a ficarmos um longo período de tempo conversando (já marquei quatro horas ao telefone com ela!), era maravilhoso ouvi-la. De voz doce, era solteira e muito sensível. Tinha eu um desejo grande de vê-la feliz e acompanhei o desenrolar da vida sentimental dela. Desde a superação da perda da mãe até o casamento, e espero eu ter noticias dos futuros filhos, de um tudo, o sucesso dela me faz feliz. Não só o dela, mas é o exemplo de pessoa que gosto de citar.

Embora ter passado este período de vida realmente feliz, acabei deixando que a vida roubasse essa felicidade. Comecei a desanimar em todos os campos e me vi em uma questão de procurar um responsável por toda aquela solidão e desanimo gerado. Hoje eu sei que o único responsável fui eu.

Sai de casa.

Já perdendo a vergonha de minha sexualidade, passei pouco mais de um ano dividindo um apartamento com um namorado, o primeiro, e lutando contra estes conflitos internos que gerei esperando aprender uma postura melhor quanto a vida e em relação a família e ao trabalho. Acho que é previsível o que ocorreu ao final desse período...
Nos tínhamos uma diferença grande de idade e ambos, a pesar dele ser mais velho o dobro, éramos imaturos. Na verdade, ele era louco (vim a descobrir muito depois), e entravamos em conflitos por muitas coisas.

A empresa estava passando por mudanças e foram muitos desencontros na administração daquela.

Recordo-me da contratação de uma diretora de recursos humanos que era extremamente mal vista pelos funcionários e que trouxe um grande desconforto para a economia da empresa. Más línguas falaram que a individua maquiava as contas da empresa para simular uma boa administração da parte dela. Eu nunca soube exatamente o que se passou, mas senti na pele as conseqüências da administração dela e testemunhei injustiças dela em meu ambiente de trabalho.

No dia de sua demissão houve festa.

Meu chefe estava radiante de maneira nunca vista antes e na administração de compras houve confraternização com bolo e balões de aniversário pelo ocorrido.

Em pouco tempo, devido a não recuperação da empresa das intempéries passadas, como última cartada dos donos, creio eu, aconteceu uma coisa não esperada pelos antigos funcionários (e por todos os outros também): os donos da empresa fizeram uma "parceria" com outra rede varejista/atacadista de super mercados.

No dia do anúncio da fusão, a diretoria enviou um comunicado impresso a cada funcionário explicando o ocorrido, que tudo estava bem, que não haveria demissões, etc., provavelmente para evitar eventuais desconfortos por parte de funcionários aproveitadores. Conto da carochinha a parte, pouco tempo depois, reestruturações começaram a acontecer.

Os ambientes em toda a parte da antiga administração foram ficando pesados e pesados até o ponto em que ninguém se suportava mais. Acho, inclusive, que esse processo já vinha de antes da dita fusão, quando o filho do dono da empresa, o vice-presidente, começou a tomar as rédeas da administração. Era um homem completamente desprovido de capacitação, a meu ver, e completamente diferente do pai, que era uma figura imponente, coerente e que eu admirei.

Fato é que a partir do causo, o que se via em meu departamento (e imagino que nos outros) era que o dito presidente, que tinha contato direto com minha chefia, inclusive uma intimidade tremenda, deixava meu chefe extremamente agitado. Agitação essa que era transferida para nós quase que imediatamente.

Em uma situação dessas, tive um desentendimento com ele e cumpri com uma promessa que tinha feito a tempos de que, se estivesse insatisfeito, não precisaria de porta voz para interceder por mim ou tomar alguma atitude.

Pedi demissão.

Talvez ninguém esperasse essa atitude minha na empresa, mas eu passava os dias em extrema tenção. Dias de sexta-feira, após o expediente, eu saia do trabalho com uma grande preocupação com o início da outra semana e não descansava o sábado e o domingo.
Eu não tinha a mínima expectativa de encontrar outro emprego no tempo do breve. Sem escolaridade, meus planos eram fazer um supletivo para concluir o ensino médio e apenas no início do ano seguinte procurar outro trabalho.

De qualquer forma, o dia seguinte a meu desligamento foi incrível! Isso já no meu despertar. Várias sensações diferentes e todas de extremo gozo interior: ter tido a coragem de encarar meu chefe, ter feito o que achava correto em contra partida ao que se via com frequência em relação a situações parecidas com os colegas, a sensação de vazio e alívio do peso da responsabilidade com aquele lugar...

Dois meses.

Foi o tempo que fiquei parado.

Meus últimos anos naquele lugar foram de extremos e, por conta do volume do trabalho, meu chefe sempre pedia para que eu vendesse parte das férias para ajudar no serviço. Esses dois meses foram justamente as férias não gozadas que eu precisava aproveitar.

Conheci uma pessoa muito especial nesse tempo parado em que tivemos bons momentos juntos. Eu tive (e tenho) extrema admiração pela postura que ele tem, embora eu mesmo ainda fosse alguém um pouco confuso. Era um homem casado. Eu ficava muito dividido com a questão porque já havia tido relações imaturas depois da catástrofe com meu primeiro namorado. Achei por bem, e com um pesar tremendo, dispensá-lo. Fiz de maneira rude, mas fico grato por ele ter relevado a questão e ser meu amigo hoje.


A misericórdia de Deus foi tão grande na minha vida que, ao final desse período, um novo emprego foi colocado em meu colo e encontrei um novo trabalho muito mais interessante e menos cansativo que o anterior.

Ainda exaltando a figura de Deus, o amigo que me indicou à nova empresa disse que eu tinha a qualificação que eles precisavam para um cargo de supervisão.

Realmente era uma coisa fora do meu merecimento ter conseguido um novo trabalho, sem sair de casa e sem ter o nível de escolaridade que se exige para minha função no mercado de trabalho.

Ao final daquele ano, aconselhado pela irmã de meu irmão, fiz um curso supletivo para terminar o ensino médio. Tinha intenções de concursar para a nova empresa e iria precisar daquele "canudo".

Todas essas coisas me trouxeram uma cabeça mais madura. Tive outros amores falidos e comecei a investir em minha família de modo a me reaproximar deles depois de tempos de relação desgastada, tendo hoje dificuldades apenas com meu progenitor, que tem pensamentos e comportamento muito divergentes dos meus.

Depois de conhecer companheiros sem nenhuma capacidade de manter uma relação saudável e minimamente honesta, arrisquei novamente uma relação com um homem casado, na expectativa de que, por ser alguém que deveria ter responsabilidades em casa, pudesse levar uma relação melhor. Seria uma falta de caráter de minha parte se não tivesse pensado na esposa dele, mas procurei levar em conta, e pela confiança, de que ele era gay e que o casamento dele não se desenrolava como costuma-se ver hoje em dia em que os maridos traem suas esposas sem nenhum pesar e voltam para casa a noite, felizes para continuar servindo-as.

Nesse período, um grande novo amigo me incentivou a fazer um curso de inglês e, ao fim desse texto, eu já estava com o nível intermediário em curso e uma empolgação tremenda pelo conhecimento do idioma novo.

Minha relação com este foi difícil, mas de uma satisfação tremenda. A pesar de eu ter de estar à disposição e atento para os momentos em que ele estivesse disponível, eu havia acertado em partes em relação à questão de poder vir a ter uma relação de maturidade.
Pareceu ironia quando tudo começou a ficar chato e tedioso. Eu procurava mostrar para ele que as coisas não eram tão pesadas como ele julgava a ser e procurava mostrar como tudo seria se ele se posicionasse desta ou daquela maneira, mas ele só lembrava-se do que eu falava quando ouvia as mesmas palavras vindas de sua analista, como se ela fosse a dona da verdade só porque era formada e eu havia "comprado" meu diploma de ensino médio. Depois de seu divórcio, então, que cai realmente no cansaço, pois quando achei que seria o momento de poder aproveitar um pouco do “investimento” feito, ele descobriu o mundo e esqueceu que eu estava ao lado.

Procurei terminar a relação de maneira em que eu pude-se estar próximo e ver a felicidade acontecer, mas descobri que ele se afastou de mim e logo encontrou quem o consolasse em sua fragilidade, não considerando que certos sentimentos pudessem ser mantidos, independente da relação que se mantenha.

Tristezas ficam no coração, mas a vida continua.

Alegrias e tristezas ainda virão. Tenho ciência de que ainda terei muitas coisas a viver e muitos preços a pagar por tudo aquilo que eu vier a fazer ou quiser vir a ser e que a história continua.

Meio resumidos até aqui, irei acrescentando linhas e linhas a esses textos na medida em que for lembrando das pessoas maravilhosas que passaram e que irão passando em minha vida até que não consiga mais criatividade e paciência para teclar.

Glórias a Deus por minha vida, pelos que passaram e passarão por ela e pelo futuro que a Ele pertence.